Desde os tempos de Steve Jobs e Tim Cook, a Apple é vista como sinônimo de inovação e disrupção no mercado de Tecnologia. Ao lançar produtos que modificaram e redefiniram comportamentos, como os iPhones e iPads, ela criou um império e reputação que estava acostumado a antecipar tendências e ditar a indústria. O ecossistema, no geral secreto, ainda é referência em experiência do usuário. Contudo, nos últimos anos, alguns sinais de desgaste vêm aparecendo.
Alguns deles, inclusive, estiveram na WWDC (Worldwide Developers Conference), conferência anual da companhia voltada para desenvolvedores, em que são apresentadas as grandes novidades da maçã. Este ano, os avanços foram mornos e tímidos. A expectativa de uma grande revolução em inteligência artificial foi frustrada e os anúncios feitos mostram que a Apple está correndo atrás do prejuízo.
Para mim, a grande decepção ficou sobre o atraso da companhia em se posicionar como um dos principais players no uso ou desenvolvimento da inteligência artificial. Por incrível que pareça, a Apple começou comprando diversas companhias lá atrás, mas realmente ficou para trás nesse aspecto. Fez investimentos errados, no momento errado, como no Apple Vision Pro, que já parou de ser comercializado. Naturalmente, o mercado já vem reagindo: a Apple já amarga praticamente uma queda de 19% na bolsa americana, uma das maiores após esse lançamento. Com o baque, os valores ficaram próximos a 2%.
Isso vem acontecendo porque, claramente, a Apple não está acompanhando os principais concorrentes de inteligência artificial, como Google e Microsoft. E eu, mesmo reconhecendo a capacidade de reinvenção da empresa, não sei que carta ela vai tirar da manga para se posicionar e se reinventar, pois há uma certa lentidão em acompanhar os avanços dos outros players.
Na WWDC deste ano, a Apple apresentou um novo design de interface chamado Liquid Glass, assim como recursos de tradução em chamadas e triagem de ligações por IA, mas diversas outras ferramentas já tinham essa utilidade. Para a Apple, isso é ainda um pouco pior, porque, por vídeo, ela só vem textual. E, por voz, a promessa é a de ouvir, não em tempo real, mas com delay de alguns segundos, o que está sendo dito no idioma que você quiser. Então, os usuários da Apple agora vão ter isso nativo nos aparelhos, mas essa não é uma novidade disruptiva.
Outra novidade, contudo, é que a inteligência artificial da Apple vai atender a ligação antes de você. Nessa funcionalidade, ela pergunta quem está falando e qual o motivo do contato. Em seguida, você recebe uma mensagem com essas informações e decide se quer ou não atender. Para quem recebe entre 20 e 30 ligações de telemarketing por dia, como é comum no Brasil, essa pode ser uma funcionalidade bastante bem-vinda.
Empresas de software rumo ao hardware: tendência irreversível?
Uma outra tendência que percebi acompanhando as repercussões da feira é um novo movimento de mercado em que empresas originalmente de software entram no universo de hardware, como Snap, Meta e até OpenAI. No futuro, vejo uma era pós-celular que seja ocular, como os óculos. Os atuais ainda são muito pesados, caros, pouco acessíveis, mas esse é um caminho natural, pois já se fala de computação audível.
Uma empresa chamada YVI criou o áudio computador, em que você conversa com uma inteligência artificial através de algo que parece um fone de ouvido, e ela vai te dando instruções, inclusive de localização. Aliás, recentemente a Meta anunciou que está para chegar o V-JEPA, uma tecnologia treinada por meio de reprodução de vídeos para ensinar robôs a assumir tarefas do dia a dia, como dobrar roupas. Se já temos empresas criando computadores auditivos com IA integradas e ensinando robôs a manipular objetos, caso a Apple não reaja rápido, ela pode ficar para trás na próxima geração de devices também.
*Por Marcel Nobre, fundador e CEO da BetaLab.