Há cinco anos, o Brasil iniciou um ambicioso projeto de identidade digital. Lançado em 2019, o Gov.br consolidou em uma plataforma única o acesso a centenas de serviços públicos digitais, da declaração do Imposto de Renda ao registro em programas sociais.
A pandemia acelerou essa transformação e, em 2024, o uso da assinatura digital via Gov.br cresceu 130%, conforme dados do próprio governo federal. Sem dúvida, trata-se de um marco. Antes do Gov.br, as plataformas de acesso a serviços do governo eram descentralizadas, e cada uma possuía suas regras de acesso digital, muitas restritas somente ao Certificado digital ICP-BR.
O Gov.br ampliou esse acesso ao oferecer níveis de autenticação que variam de bronze a ouro, facilitando a inclusão digital de milhões de brasileiros. Atualmente, a plataforma já conta com mais de 163 milhões de usuários e possibilita o acesso a mais de 4.500 serviços digitais, o que demonstra a dimensão desse avanço. Essa democratização merece reconhecimento. No entanto, ela vem acompanhada de desafios que precisam ser debatidos com transparência.
Um deles é a confiabilidade. A identificação em níveis inferiores ao ouro depende de dados autodeclarados e validações que podem ser insuficientes diante do aumento das fraudes digitais. Hoje, o Brasil convive com bases biométricas fragmentadas, nenhuma delas integralmente confiável. A criação da Carteira de Identidade Nacional deve unificar essas informações, mas esse processo é complexo e demanda tempo e investimentos.
Outro ponto sensível é o impacto econômico. Ao oferecer assinatura digital gratuita, o governo passa a atuar em um segmento tradicionalmente privado. Empresas que investem em tecnologia, suporte e inovação precisam encontrar seu espaço diante de uma solução estatal de grande alcance.
Ainda assim, o Gov.br não pode deixar de ser visto como um aliado na missão de digitalizar o Brasil — mas é fundamental manter alertas sobre a responsabilidade de proteger dados e garantir autenticidade.
Vale destacar que a assinatura qualificada com certificado ICP-Brasil continua sendo, até hoje, o único modelo que oferece presunção legal plena de autoria e integridade. É ela que assegura transações críticas, como atos societários e operações financeiras de maior valor.
Cabe ressaltar, também, que países que tentaram soluções governamentais sem investir em identificação robusta acabaram enfrentando descrédito e baixa adesão. O risco não é pequeno: a facilidade de acesso não pode comprometer a segurança. Por isso, é essencial que a popularização da identidade digital caminhe junto com uma estratégia clara de integração de bases, autenticação multifator e educação do cidadão.
O futuro aponta para a convergência: identidade digital única, interoperabilidade entre plataformas públicas e privadas e um ecossistema de confiança compartilhada. As empresas que atuam nesse mercado já investem em soluções que unem praticidade e segurança, desde plataformas de assinatura até múltiplos níveis de verificação. Mas é fundamental que a sociedade, o setor privado e o governo avancem no mesmo sentido: garantir que o digital seja, de fato, seguro.
É inegável que o Gov.br representa um avanço histórico. Mas, como qualquer inovação, requer avaliação constante e aprimoramento.
*Por Heitor Pires, CEO da Certifica&CO.