Se você acha que a inteligência artificial vai salvar a sua empresa da incompetência e má organização, como um milagre divino para os seus negócios, bom…sinto lhe dizer, mas você está enganado e ainda com mais problemas do que antes.
Situações como essa são preocupantes: empresas correndo para adotar inteligência artificial como se ela fosse uma salvação mágica. A realidade é outra. IA não conserta desorganização. Ela escancara.
Por mais promissora que seja, a inteligência artificial — seja generativa, preditiva ou qualquer outro modelo — é uma tecnologia que depende diretamente de estrutura, contexto e clareza de propósito. Sem isso, ela se torna apenas mais uma camada de complexidade em um ambiente já bagunçado.
Dados ruins geram decisões ruins. Simples assim
É fundamental entender que a IA é um sistema de informação que processa entradas (dados) para gerar saídas (ações, análises, sugestões, automações). Se os dados de entrada são ruins, desestruturados, incompletos ou contraditórios, o resultado será desastroso.
Vejo isso com frequência. Empresas que nunca investiram em governança de dados, catalogação, padronização ou acesso seguro e estruturado à informação, de repente, passam a usar IA apostando que vai resolver tudo. O que acontece? Resultados enviesados, decisões mal-informadas e, pior ainda, uma falsa sensação de evolução digital. É como tentar construir um arranha-céu sobre um pântano. A fundação cede.
Outro erro recorrente é acreditar que a inteligência artificial vai “criar” processos novos por conta própria. Não vai. O papel da IA é automatizar, acelerar, comparar, melhorar, mas sempre a partir de algo que já está desenhado. Se o processo não está claro, documentado e alinhado com o modelo operacional da empresa, a IA vai amplificar o caos.
Um bom projeto de IA começa com algo básico: entender o processo atual (as is). Conversar com as áreas envolvidas, fazer entrevistas com stakeholders, realizar workshops de imersão, mapear o que já funciona e o que claramente não funciona. Só depois disso é que se desenha o processo futuro (to be) com a IA como parte dele.
A transição do as is para o to be é onde mora a verdadeira transformação. É nela que identificamos gargalos, fricções, pontos de perda e oportunidades reais para automação. Sem isso, qualquer tentativa de inserir IA será superficial ou até nociva.
A cultura da improvisação é inimiga da IA
Muitas organizações funcionam com base em conhecimento tácito, informalidade e improviso. Processos que só existem na cabeça de quem os executa. Playbooks inexistentes. Treinamentos fragmentados. Divergência entre áreas sobre “como se faz” determinada tarefa. Quando falta padronização, a IA fica sem referência. Ela começa a tomar decisões com base em padrões incoerentes, dados contraditórios ou, pior, modelos treinados com informações enviesadas. A ilusão de produtividade aparece, mas os erros se acumulam, os custos aumentam e o impacto real nos resultados é mínimo ou negativo.
E isso não é uma opinião isolada. Segundo a Gartner CIO Agenda 2025, apenas 24% das empresas que adotaram IA conseguiram gerar valor tangível com ela, mesmo que 72% delas digam que a tecnologia está no topo de suas prioridades. O motivo? Falta de alinhamento entre tecnologia e organização.
Se os processos são ruins, a IA vai acelerá-los, e do jeito errado. Se os dados são falhos, ela vai usá-los e piorar as decisões. Se a cultura é de improviso, vai replicar e amplificar esse comportamento. A IA é um espelho. E muitas empresas não estão prontas para o que ele reflete.
Na minha experiência, os líderes que colhem frutos da IA são aqueles que investem primeiro em organização, clareza, documentação, entendimento profundo do negócio e cultura de aprendizado. Só depois disso a IA entra como alavanca real de valor.
Como começar no caos? Desenhe o que existe
Mesmo que sua empresa esteja em estágio inicial de maturidade, há um primeiro passo possível — e fundamental: desenhe o processo atual, por mais caótico que ele seja.
Ponha tudo no papel. Use técnicas como entrevistas em profundidade com líderes de área, workshops com equipes, mapeamento visual e reuniões colaborativas. Coloque todo mundo para olhar para o mesmo lugar. A clareza compartilhada sobre os problemas é o começo da solução.
A partir desse mapa, você já consegue identificar quais atividades são repetitivas, onde há retrabalho e onde a IA pode ajudar de fato. Muitas vezes, pequenas automações podem ser testadas rapidamente, em ciclos curtos, para gerar ganhos imediatos e criar confiança no processo de transformação.
A IDC Latin America AI Spending Guide 2025 projeta que o investimento em IA no Brasil ultrapassará US$ 1,9 bilhão neste ano, com foco em automação de processos e análise de dados. O mercado está se movendo. Mas a pergunta é: sua empresa está se estruturando para isso ou só pegando carona na hype?
Portanto, tenha sempre em mente que a inteligência artificial não é uma solução mágica para a desorganização. Ela é uma ferramenta poderosa, mas só para quem está preparado para usá-la com estratégia, dados confiáveis e processos sólidos.
Sem isso, não há tecnologia que resolva o que a liderança se recusa a enfrentar: a falta de estrutura é um problema humano, e não técnico.
Então, meu caro, faça o dever de casa. Se você quiser que a IA salve sua empresa, comece com a organização dela.
*Por Adilson Batista, especialista em IA Generativa e CIO da Cadastra.