No segundo semestre do ano, o varejo digital passa por um daqueles momentos que misturam festa e tensão: é um pico de vendas, uma maré alta que pode empurrar receitas para patamares recordes e, ao mesmo tempo, um teste de resistência contra fraudes e fricções na jornada do cliente. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) em 2025, essa data deve movimentar cerca de R$9,9 bilhões no varejo brasileiro. Isso é importante não blacksó pelo volume, mas porque cada tentativa de compra é uma oportunidade e cada barreira mal calibrada é uma venda perdida.
Sempre gosto de imaginar o processo de checkout como uma ponte entre a emoção do cliente, o desejo de presentear alguém e a operação logística da loja. Se essa ponte for estreita e cheia de obstáculos, como formulários longos, validações excessivas ou recusas injustificadas, muitos atravessam só até a metade e desistem. No Brasil, cerca de 82% dos carrinhos são abandonados em alguma etapa da compra, segundo o E-commerce Radar, um sinal claro de que a experiência ainda perde para a complexidade.
Do outro lado dessa equação está a fraude: em 2024 foram identificadas 2,8 milhões de tentativas de fraude no e-commerce brasileiro, com um impacto potencial de cerca de R$3 bilhões, segundo a Clearsale. Não é exagero dizer que os fraudadores enxergam os picos sazonais como feriados pessoais. Uma validação frágil custa dinheiro, aprovar golpes dilui margens e corrói reputação, mas uma prevenção mal ajustada também custa caro.
Então qual o equilíbrio? A resposta passa por inteligência e não por rigidez e aqui trago três analogias que uso com meu time para clarear a estratégia:
1. Antifraude como segurança de aeroporto, não como muralha
Um bom aeroporto usa tecnologia (raio-X, biometria), regras e agentes treinados para permitir o fluxo de milhões de passageiros sem transformar a experiência numa penitenciária. Da mesma forma, a prevenção à fraude deve combinar automação (machine learning, regras adaptativas), sinais comportamentais e análise humana em casos ambíguos. Isso reduz falsos positivos (recusas indevidas) sem abrir a porta para golpistas. Dados recentes mostram que, embora o montante total de fraudes tenha se reduzido em percentual, o ticket médio das tentativas fraudulentas subiu, ou seja, é preciso inteligência para detectar ataques mais lucrativos e sofisticados.
2. Personalização de risco: limpando o espelho, não borrando todo o vidro
Tratar todo cliente como suspeito é como instalar detectores de metal em todos os lares: além de ineficaz, afasta quem está certo. Ferramentas modernas de orquestração de pagamentos e antifraude permitem “perfilizar” risco em tempo real: histórico do comprador, device fingerprinting, comportamento de navegação, geolocalização, reputação do cartão, entre outros sinais. Com isso, ações automáticas (autorização, desafio adicional, revisão manual) são aplicadas só quando estatisticamente justificadas, preservando a conversão quando o risco é baixo.
3. Medir o que importa: receita recuperada vs custo da fraude vs taxa de abandono
Olhar só para números isolados pode enganar. Aprovar mais compras aumenta a receita, mas também pode gerar mais fraudes; bloquear demais evita golpes, mas faz o cliente desistir da compra. Empresas que testam diferentes abordagens e acompanham o impacto real nas vendas conseguem encontrar o equilíbrio certo. No Brasil, relatos do setor mostram que soluções inteligentes de validação de identidade e gestão de pagamentos já ajudaram a liberar dezenas a centenas de milhões em compras legítimas, provando que investir em tecnologia que funciona de forma eficiente realmente vale a pena.
Na prática, para um e-commerce, especialmente em datas de grande movimento, sugiro seguir alguns cuidados:
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Verificação por etapas: começar com checagens leves e só exigir etapas mais complexas quando realmente necessário.
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Regras flexíveis: ajustar critérios de segurança de acordo com o valor da compra, tipo de produto e canal (app ou site).
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Opções amigáveis: oferecer alternativas de pagamento e explicações claras quando houver etapas extras de validação.
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Análise humana rápida: ter equipes treinadas para revisar casos suspeitos rapidamente, sem atrasar as compras.
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Testar sempre: experimentar novas abordagens para ver o efeito real nas vendas e na prevenção de fraudes.
Segurança e conversão não são inimigas, são parceiros desconfiados que precisam de um mediador: tecnologia bem desenhada e dados. O e-commerce brasileiro vive um momento de maturação e por isso, à medida que as vendas crescem e o ticket médio sobe, os fraudadores também evoluem.
Quem ganha é quem trata a antifraude como um motor de confiança e não como um freio. É importante encarar esse desafio como um exercício de equilíbrio para proteger o lojista, preservar a experiência do cliente e, sobretudo, garantir que a ponte entre desejo e compra seja segura, mas fácil de atravessar.
Por Walter Campos, General Manager da Yuno para América Latina
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