Romantização dos hackers: por que precisamos parar de glamourizar o crime cibernético

Vivemos em um momento em que o imaginário coletivo sobre o hacker — aquele indivíduo que “quebra códigos”, “entra onde ninguém entra” e “vira herói” da era digital — está mais forte do que nunca. Filmes, séries e notícias destacam figuras de “gênios obscuros” ou “grandes mentes rebeldes” que operam em quartéis-generais tecnológicos, e partem da premissa de que o hacker é quase uma entidade elevada, à parte da sociedade comum. Mas essa narrativa é grave, porque mascara o que os hackers realmente são: criminosos cibernéticos, que devem ser tratados como tal e não transformados em ícones.

A extensão do problema

Dados da Statista mostram que o crime cibernético não é um fenômeno menor ou marginal — está em plena escalada. Em 2024, estima-se que o custo global do cibercrime alcançará aproximadamente US$ 10,29 trilhões em 2025. Além disso, o setor da educação/pesquisa, por exemplo, sofreu em 2024 uma média de 3.574 ataques por semana.

Esses números não são apenas abstratos — representam impactos reais: dados roubados, operações interrompidas, reputações destruídas, vidas pessoais expostas. A gravidade exige que enxerguemos os autores desses ataques não como “anti-heróis” ou “gênios excêntricos”, mas como criminosos que organizam, planejam e lucram com o dano alheio.

Por que a romantização do hacker é perigosa

Quando transformamos um hacker em figura quase mítica, elevamos seu estatuto, o que gera três riscos principais:

  • Aliciar jovens — Em um mundo em que “ser hacker” ou “pirata digital” aparece com glamour na cultura pop ou nas redes sociais, existe o risco concreto de que adolescentes e jovens vejam o crime cibernético como algo “legal”, “inteligente” ou “excêntrico” — ao invés de algo moralmente reprovável.
  • Minimizar o crime — Ao tratarmos os hackers como “geniais” ou “fora do sistema”, acabamos banalizando o efeito real: extorsão, roubo de dados, impacto econômico, financiamento de outras atividades criminosas. Isso gera uma sensação — errada — de que “ah, mas é só bit ou dados”, ou “eles fazem isso porque são inteligentes”, quando, na verdade, são criminosos comuns que usam meios diferentes.
  • Ignorar o fluxo de financiamento de crimes — Muitos desses grupos criminosos de hackers não ficam só no roubo de dados ou invasão por “diversão”. Eles utilizam os recursos obtidos — seja por resgate, clonagem de identidade, fraude — para financiar outras atividades ilícitas, agravar a corrupção digital ou apoiar esquemas maiores. Esse aspecto raramente recebe luz na mídia.

Os hackers não são “seres iluminados”

Existe uma narrativa — algumas vezes sustentada por filmes, séries e até reportagens sensacionalistas — de que os hackers têm uma postura quase ética (“vou invadir para revelar a verdade”), ou de que são “rebeldes” que vivem “fora do sistema”. Na prática, porém:

  • Eles agem de forma organizada, muitas vezes em quadrilhas ou redes criminosas internacionais (não meros “solitários geniais”).
  • Segmentam vítimas vulneráveis (pessoas comuns, empresas, instituições públicas) e utilizam engenharia social, fraudes, ransomwares.
  • A motivação principal é financeira ou de poder, não “justiça” ou “revelação de verdades”.
    Portanto, a analogia direta é com criminosos tradicionais — o fato de usarem computadores não muda a natureza do delito.

Precisamos combater como qualquer outro crime

Diante dessa realidade, é necessário que haja um posicionamento claro. Precisamos tratar os ataques cibernéticos como crimes comuns, com investigação adequada, responsabilização e recuperação dos danos causados. Não há espaço para glamourizar ou construir a imagem do hacker como um anti-herói moderno. É fundamental educar a sociedade — especialmente os jovens — de que o fascínio pelo “mundo hacker” não pode se confundir com o trabalho ético e profissional de quem atua em segurança da informação. Ser um pentester, por exemplo, exige autorização, princípios e responsabilidade, enquanto o hacker criminoso age movido por interesse próprio e destrutivo. 

Também é urgente abandonar a ideia de que “mais um ataque” é algo normal ou inevitável. Esse tipo de banalização prejudica a conscientização, reduz a prevenção e enfraquece a resposta. Por fim, é essencial dar visibilidade não apenas aos ataques em si, mas aos criminosos por trás deles — suas quadrilhas, métodos, redes de financiamento e os impactos reais que causam na economia e na vida das pessoas. Só assim deixaremos de tratar o crime digital como espetáculo e passaremos a enfrentá-lo com o rigor e a seriedade que merece.

O risco de uma geração

Num mundo cada vez mais digitalizado, em que jovens têm fácil acesso a tecnologias, vídeos, tutoriais, fóruns e comunidades de “hackers”, existe um risco evidente: que se consolide a imagem de que “ser hacker” é sinônimo de “ser esperto”, “ser rebelde”, “ser fora do sistema”. Sem a devida distinção entre o crime e a atividade legítima de cibersegurança, corremos o risco de criar uma geração que perceba o ataque cibernético como brincadeira, coisa banal ou estilo de vida — em vez de crime sério. 

Além disso, com o advento da Inteligência Artificial (IA), as ferramentas de ataque se democratizaram: os criminosos utilizam IA para gerar phishing, deepfakes, automação, o que torna o crime ainda mais acessível e rápido. A romantização pode potencializar isso ao dar status social à atividade.

Cinema, cultura pop e realidade

Se nos filmes e séries o hacker aparece vestido de preto, em sala escura, digitando freneticamente “quebrando o sistema” — a realidade é bem mais crua: é fraude financeira, roubo de credenciais, paralisação de serviços vitais, extorsão de empresas ou pessoas. A cultura pop vende o “herói hacker”, mas não mostra o dano social, econômico e pessoal. Precisamos desconstruir esse mito.

Como especialista em cibersegurança, acredito que estamos num momento decisivo para repensar a forma como falamos e entendemos o hacker. Eles não são gênios excêntricos nem rebeldes à margem do sistema com nobres intenções. São criminosos — muitas vezes organizados, com motivação financeira, com consequências reais — e devem ser tratados como tal. 

Romantizar o crime cibernético é perigoso: suaviza a gravidade, seduz vulneráveis, e contribui para que o ataque digital seja banalizado. Precisamos de uma narrativa diferente: de prevenção, responsabilidade, clareza e educação. E de uma ação firme — de governos, empresas, escolas e sociedade — para que o crime cibernético seja enfrentado com o rigor que merece.

Por Isabel Silva, Security Business Development Director da Add Value

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