A América Latina vive um dos ciclos mais intensos de modernização financeira do planeta. A combinação entre digitalização acelerada, regulação inovadora e mudanças no comportamento do consumidor está transformando a forma como o dinheiro circula. No centro dessa transformação, a Inteligência Artificial (IA) aparece como uma engrenagem que viabiliza eficiência, confiança e escala em tempo real.
O continente se tornou um verdadeiro laboratório de inovação em pagamentos. Do Pix no Brasil ao CoDi (Cobro Digital) no México e ao Transferencias 3.0 na Argentina, a região conseguiu criar sistemas de liquidação instantânea em grande escala, com alta adesão popular e baixo custo, algo raro de se pensar. Esses ecossistemas, no entanto, só atingem maturidade quando aliados à IA, que permite que milhões de transações sejam processadas, verificadas e conciliadas com segurança quase absoluta.
A IA hoje funciona como o sistema nervoso dos meios de pagamento digitais. Combinando algoritmos de machine learning, análise preditiva e automação inteligente, ela transforma dados em decisões operacionais em milissegundos, tornando a infraestrutura financeira mais ágil, escalável e resiliente.
Ela também automatiza processos complexos de reconciliação e liquidação, eliminando tarefas manuais que antes demandavam dias e eram suscetíveis a erros humanos. Além disso, analisa padrões históricos e contextuais para antecipar picos de demanda e redistribuir recursos computacionais de forma proativa, evitando gargalos e garantindo estabilidade operacional mesmo em períodos de alta carga transacional.
Todo o ecossistema financeiro global já se mobiliza para não perder terreno. A Visa já vem desenvolvendo uma infraestrutura de pagamentos voltada para o uso por agentes de IA generativa e agêntica, em colaboração com empresas como Anthropic, IBM, Microsoft, OpenAI e Samsung. A ideia é permitir que esses sistemas realizem transações de forma segura, transparente e interoperável, preservando a integridade das informações e a confiança dos usuários.
Na mesma direção, a Mastercard anunciou o Agent Pay, programa criado em parceria com Microsoft e IBM que inaugura um novo paradigma no setor. A iniciativa possibilita que agentes de IA efetuem compras de forma autônoma, baseando-se nas preferências e no histórico de comportamento do consumidor, enquanto utilizam tokenização para proteger cada operação e mitigar riscos cibernéticos. Esses avanços não são apenas técnicos. Eles redefinem a experiência do usuário e elevam o padrão competitivo do mercado.
Futuro com segurança
Mas velocidade, sem confiança, é um risco. A expansão dos pagamentos digitais traz consigo o desafio de mitigar fraudes em tempo real, sem comprometer a jornada do usuário. E é novamente a IA que oferece a resposta. Ao cruzar milhares de variáveis por segundo, como geolocalização, padrões de compra, biometria e comportamento de navegação, os modelos de detecção de anomalias conseguem distinguir, com precisão crescente, uma transação legítima de uma tentativa de fraude.
O aprendizado contínuo permite que os sistemas evoluam a cada interação, reduzindo falsos positivos e fortalecendo a experiência do usuário. Esse movimento garante maior segurança operacional, menos perdas financeiras e um ambiente de confiança, que não se restringe apenas no relacionamento entre bancos e clientes, mas entre todos os agentes que compõem o ecossistema de pagamentos.
A Inteligência Artificial também é um vetor poderoso de inclusão. No Brasil, por exemplo, onde mais de 200 milhões de pessoas ainda têm algum tipo de relacionamento com o Sistema Financeiro Nacional (SFN), a análise de dados e o aprendizado de máquina permitem desenhar produtos financeiros sob medida para públicos historicamente negligenciados. A personalização algorítmica, aliada à comunicação automatizada por meio de chatbots e assistentes virtuais, cria uma camada de relacionamento entre instituições financeiras e usuários. Se trata de democratizar a qualidade da experiência financeira, tornando o sistema mais sensível às particularidades e necessidades de cada cliente.
Os pagamentos digitais evoluíram de uma infraestrutura de conveniência para uma infraestrutura cognitiva. À medida que a IA generativa, os dados sintéticos e a computação distribuída ganham escala, veremos a consolidação de um sistema financeiro autorregulável, em que a detecção de fraudes, a precificação de crédito e a roteirização de pagamentos ocorrerão de forma autônoma, com mínima intervenção humana.
A América Latina tem uma vantagem competitiva singular, que é um ambiente regulatório que estimula a inovação e uma população aberta à experimentação digital. Se o Pix foi o ponto de partida, a IA é o combustível que determinará até onde essa transformação pode chegar.
Por Thiago Saldanha, Head de IA da Evertec Brasil
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