Todo mundo tem falado sobre os Agentes de IA, mas o que temos visto é que, no discurso, muitos nem sabem o que isso quer dizer. Há dez anos, ninguém falava de Inteligência Artificial e, ao longo do tempo, foi preciso educar empresas e executivos sobre o potencial valor dessa tecnologia com responsabilidade, estratégia e visão de longo prazo.
Vemos agora que o cenário virou. A IA virou hype e com ela experts fazendo palestras com frases de efeito, promessas milagrosas de startups inflando seu valuation e frameworks genéricos sendo vendidos como solução mágica. E, no final das contas, as empresas saem perdendo com expectativas que não se cumprem justamente porque a IA está sendo usada de forma equivocada (isso quando ela, de fato, está sendo usada).
A IA bem feita entrega ROI (Retorno sobre Investimentos) real, aumentando as receitas, reduzindo custos e melhorando a experiência do cliente para trazer ganhos concretos de eficiência. E nesta equação, temos que mudar a forma como as coisas estão sendo conduzidas.
Se a área de tecnologia de uma organização ainda é vista apenas como suporte, ela está deixando dinheiro na mesa. Em um cenário de aceleração digital e crescente pressão por resultados tangíveis, medir o retorno sobre investimentos (ROI) em Inteligência Artificial (IA) deixou de ser uma meta futura para ser uma urgência atual.
Temos vivenciado nos últimos anos esse movimento em grandes empresas que começam a reorganizar sua estrutura para que a TI deixe de ser um centro de custo e se torne o grande motor de geração de valor do negócio. A boa notícia é que essa transformação é possível, já a má, é que ela exige muito mais do que a tecnologia.
O momento em que a TI mais se aproximou da estratégia das empresas foi durante a corrida pela transformação digital, um movimento que exigiu grandes investimentos em infraestrutura e desenvolvimento de aplicações. No entanto, em diversas organizações, esse esforço parou por aí, uma vez que poucas exploraram de fato o ativo mais importante gerado por essa transformação: os dados.
Com o avanço da Inteligência Artificial, especialmente da IA generativa (GenAI), essa lógica começou a mudar. Grandes organizações estão redesenhando suas estruturas para que a TI atue em cocriação com as áreas de negócio, orientando decisões com base em dados e inteligência aplicada.
De acordo com um estudo da consultoria de negócios BCG (Boston Consulting Group), empresas líderes em IA concentram mais de 80% dos seus investimentos em áreas de alto impacto, como cadeia de suprimentos, marketing e novos produtos, e conseguem gerar um ROI que chega a ser 2,1 vezes superior à média do mercado. Nesse contexto, a chave está em priorizar profundidade sobre amplitude, além de impacto sobre experimentação em diversas iniciativas dispersas.
Temos percebido em recentes experiências que essa virada de chave só acontece quando a TI é envolvida desde a definição da estratégia e não apenas na execução.
Por que medir ROI em IA é diferente
Ao contrário de sistemas transacionais ou projetos de automação clássica, iniciativas com IA exigem uma abordagem de ROI que combine impacto financeiro com ganho intangível e potencial escalável. Segundo pesquisa da consultoria McKinsey, retornos mais robustos da IA surgem da melhoria na tomada de decisão, da personalização em escala e da eficiência operacional, áreas em que o valor é real, mas nem sempre imediato. Desse modo, é comum que o ROI total leve de 12 a 36 meses para maturar.
Ainda assim, diversas lideranças resistem por não verem retorno imediato, o que exige um processo educativo, alinhamento e gestão de expectativas com os stakeholders do projeto e uma mudança no modelo mental tradicional.
Boas práticas e frameworks recomendados
Segundo a Deloitte, empresas mais maduras em IA têm até 20 vezes mais chances de obter ROI relevante, pois estruturam suas iniciativas com clareza de objetivos, governança adequada e foco na adoção de soluções escaláveis.
Algumas boas práticas são indicadas para que organizações possam fazer essa aplicação em diferentes setores, como definir indicadores desde o início do projeto, não apenas após sua entrega; estabelecer métricas por estágio no curto prazo (quick wins), médio prazo (captura de valor) e longo prazo (inovação sistêmica); e ter um “product owner de negócio” (‘proprietário de produto’, em tradução livre) atuando junto à TI para garantir que o valor real seja monitorado e comunicado às lideranças.
Um framework prático utilizado por consultorias internacionais é o modelo dos “3 Cs”, que seria o ‘custo evitado’, o ‘crescimento de receita’ e a ‘confiança na decisão’. Esse método ajuda a expandir o olhar além do ROI financeiro puro, considerando também os efeitos de segunda ordem que a IA pode trazer à organização.
Exemplos reais em diferentes setores
Em projetos na área da saúde, por exemplo, a IA é capaz de apoiar o redimensionamento da força de trabalho, otimizando turnos e evitando horas extras, o que resulta em um ROI superior a 20% em menos de 12 meses em uma rede de hospitais listada na bolsa de valores brasileira. Já no setor financeiro, a consultoria global Bain & Company identificou que 75% das instituições que adotaram IA Generativa já reportaram ganhos acima do esperado, especialmente em funções como atendimento ao cliente, análise de crédito e compliance.
Na manufatura e no setor automotivo, a BCG destacou o caso de uma montadora que aumentou em 20% a acurácia de sua previsão de vendas com IA, o que levou a uma redução significativa de perdas e maior agilidade nas decisões de produção.
Nessas empresas, contudo, a IA tem sido integrada aos fluxos operacionais, e não tratada como projeto paralelo.
Esses exemplos reforçam que o verdadeiro valor da IA está menos na tecnologia em si e mais na capacidade da organização em usá-la para resolver problemas relevantes, de forma integrada com o negócio.
A virada de chave exige liderança
Organizações que já enxergam a TI como centro de valor estão colhendo os frutos da transformação com IA. Medir ROI é possível, mas exige método, realismo e uma mudança de mentalidade.
Em vez de buscar um “payback mágico”, o caminho está em construir casos de uso conectados à estratégia da empresa, com metas claras e acompanhamento contínuo. O ROI real não nasce da solução, mas da sua aplicação concreta e da escala atingida.
Temos percebido que, quando a TI assume seu papel estratégico e compartilha a responsabilidade pelos resultados, a IA deixa de ser uma promessa e passa a ser um diferencial competitivo real.
Para que isso ocorra, é fundamental o alinhamento entre três figuras-chave:o CEO, que deve enxergar a IA como parte central da estratégia e dar diretrizes claras dos desafios do negócio;o CFO, que precisa garantir viabilidade e ampliar a visão sobre retorno; e o CIO, que lidera a execução tecnológica e conecta tecnologia com impacto para as áreas de negócio.
Sem esse ‘tripé corporativo’, a transformação tende a se perder entre promessas técnicas, iniciativas sem impacto e expectativas desalinhadas. Com ele, a TI deixa de ser centro de custos e passa a ser, de fato, um centro de valor.
*Por Rodrigo Pereira, CEO da A3Data.