Vivemos uma era em que a Inteligência Artificial deixou de ser uma promessa futurista para se tornar uma engrenagem central no crescimento de organizações. Modelos generativos, automação de processos, assistentes preditivos: cada avanço traz consigo oportunidades reais de escalar negócios, otimizar recursos e personalizar experiências. Mas enquanto a maioria do debate público ainda se encanta com o “o que” a IA pode fazer, poucos questionam o “como” ela deve ser implementada.
A governança emerge, portanto, como o verdadeiro motor silencioso capaz de garantir que projetos de IA não se tornem experimentos desordenados ou investimentos feitos sem direcionamento, apenas “pelo hype”. Um estudo recente do Gartner (2024) aponta que 80% das organizações que não contarem com um framework sólido de governança para IA até 2026 enfrentarão atrasos significativos em suas iniciativas digitais ou até mesmo falhas completas em projetos críticos.
A falta de governança não é um detalhe técnico; é uma ameaça sistêmica. Modelos de IA operando como caixas-pretas, decisões baseadas em dados enviesados, uso indevido de informações sensíveis — tudo isso resulta em risco operacional, reputacional e até legal. Não à toa, vemos empresas que investiram pesado em centros de excelência técnica, mas que agora precisam revisitar toda a base estrutural para inserir critérios éticos, auditorias e controles de qualidade.
Ao contrário do que muitos imaginam, criar governança não é um passo “burocrático” que freia a inovação. Na verdade, é o que viabiliza a inovação de forma sustentável. Uma estrutura robusta de governança permite que soluções de IA sejam escaláveis, auditáveis e, acima de tudo, explicáveis. Em um mundo onde as decisões algorítmicas influenciam desde a liberação de crédito até a recomendação de tratamentos de saúde, não há mais espaço para implementações feitas “goela abaixo”, sem clareza de propósito ou rastreabilidade.
Outra ilusão comum nas empresas é acreditar que a excelência técnica por si só basta. Muitos criam centros de automação e times especializados em modelagem, mas negligenciam a formação de comitês multidisciplinares que envolvam jurídico, compliance, segurança e recursos humanos. Resultado: implementações aceleradas e superficiais que acabam gerando passivos éticos ou expondo brechas regulatórias.
Muitos líderes, especialmente em empresas de médio porte, sentem-se pressionados a adotar IA para resolver dores imediatas — e é natural que a urgência operacional fale mais alto. Porém, ao priorizar a solução técnica, sem refletir sobre a capacidade real de governar essas decisões, criam-se riscos silenciosos que podem comprometer o negócio no médio e longo prazo. Setores como o financeiro, telecomunicações e grandes grupos de saúde avançaram mais rapidamente nesse sentido, justamente por lidarem com dados altamente sensíveis e estarem habituados a regulações mais rígidas. Ainda assim, mesmo nesses casos, a governança precisa ser continuamente revisitada para acompanhar a evolução da tecnologia e o aumento das expectativas sociais e regulatórias.
É preciso reforçar: a IA não é somente um software ou um algoritmo, mas um ecossistema vivo, que impacta pessoas, processos e decisões estratégicas. Dentro dessa lógica, a governança, por sua vez, define as regras do jogo; ela traduz o propósito da empresa em linhas de conduta, define quem são os responsáveis, como os dados serão tratados e auditados, e como as decisões automatizadas serão explicadas para clientes, acionistas e órgãos reguladores.
Quando falamos em governança, falamos sobre dar voz ao propósito, estruturar o futuro e proteger o presente. Sem ela, toda inovação arrisca-se que ela se transforme em mais um artefato tecnológico — bonito no slide, mas frágil na prática.
Pensando em tudo isso e quando de fato queremos trazer isso para o dia a dia da operação, mais do que nunca, a governança não depende apenas de processos internos: ela se fortalece com o apoio de quem reúne experiências consolidadas em diferentes indústrias, aprendizados práticos e uma visão crítica sobre os riscos e as oportunidades que a IA carrega. É essa bagagem que permite transformar complexidade em diretrizes claras, apoiar a definição de políticas, preparar as equipes e criar fluxos que preservem segurança, propósito e responsabilidade. Assim, a IA deixa de ser uma promessa abstrata para se tornar um valor real, incorporado de forma consciente e confiável.
Juliano Carboneri Francisco, gerente geral da Unidade de Negócios – Data Center / Data Analytics / Cloud na Axians Brasil.
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