O que leva municípios a arbitrar sobre a ocupação de postes

Por Bárbara Castro Alves (*)

As reações geradas dizem o contrário, mas a Aneel talvez possua justificativas legais e regulatórias bastante razoáveis para, com sua postura, impedir a aprovação de um novo regulamento para o acesso de redes de telecomunicações aos postes. Independentemente disso, não poderia abandonar a fiscalização do cumprimento das normas já existentes que disciplinam a atividade.

Ao fazê-lo, gera um vácuo regulatório que leva municípios a tomarem iniciativas para forçar as elétricas a realizarem ao menos parte do que suas resoluções determinam. Já o restante das regras que normatizam o compartilhamento de infraestruturas estaria, na ausência do regulador, sendo desrespeitado por muitas concessionárias, conforme relatos que se repetem há anos em diferentes estados.

São inúmeras as cidades que realizam ações para resolver por conta própria os emaranhados que seguem de um poste a outro em suas vias. Para citar apenas alguns casos recentes, no final de julho, a Prefeitura de Natal e a Neoenergia Cosern anunciaram que intensificarão o combate ao cabeamento irregular na cidade, onde a concessionária afirma já ter retirado mais de 8 toneladas de fios.

Em São Paulo, no mês passado, foi promulgada a Lei Municipal 18.229, que estabelece multa diária de R$ 50 mil para empresas que, após notificadas, não regularizarem seus cabos, que poderão ser removidos pela Enel. Em Aracaju, iniciativa do Executivo municipal discutida com Anatel,  provedores e a concessionária do estado estabeleceu que a Energisa fará o mapeamento e retirada de fiação irregular.

É louvável que prefeituras convoquem as distribuidoras para dar ordem e/ou remover cabeamento irregular, até porque isso está de acordo com os regulamentos do setor. A Resolução Aneel nº 1.044/2022 (parágrafo 1º do artigo 6º) e a Resolução Conjunta Aneel/Anatel nº 4/2014 (parágrafo 2º do 4º artigo) determinam que cabe às concessionárias de energia zelar para que o compartilhamento de suas infraestruturas siga as normas técnicas.

Cabe-lhes também notificar provedores de Internet quanto à necessidade de adequação de suas redes aéreas, o que é previsto pelo parágrafo 3º do 4º artigo do primeiro regulamento. São obrigações regulatórias que devem ser observadas por empresas do setor elétrico. Não deveriam, portanto, ser cobradas por prefeitos e secretários municipais para serem cumpridas. No entanto, a situação caótica da fiação aérea observada em boa parte dos municípios brasileiros mostra que foram ignoradas ao longo de anos.

Por conta disso, muitas das ações voltadas à regularização realizadas pelas distribuidoras, ao buscarem corrigir o que se acumulou com o tempo, trazem números superlativos, com toneladas de fios retirados dos postes, o que estaria afetando também redes que não deveriam ser alvos desse tipo de ação.

Em reportagem publicada pelo Ponto ISP, a Associação dos Provedores do Brasil (ASPRO) relatou que a retirada de cabeamento pela Neoenergia no Distrito Federal teria deixado 10 mil usuários do bairro Guará sem acesso à web no início de setembro, causando prejuízos também a provedores de menor porte. Questionada pelo veículo, a concessionaria afirmou cumprir estritamente o artigo 14 da Resolução nº 1.044. Este autoriza o detentor a retirar, sem prévia autorização, cabeamento quando constatar ocupação clandestina, situações emergenciais e/ou risco de acidentes.

É difícil saber se a remoção restringiu-se a cabos nessas condições. Se não foi assim, a Neonergia teria desrespeitado o artigo 13 do mesmo regulamento, que, exceto nos casos mencionados acima, condiciona a retirada de cabos ao consentimento da comissão de resolução de conflitos (formada por Anatel, Aneel e ANP) quando não houver regularização ou for constatado descumprimento de cláusulas contratuais.

Já o artigo 12 prevê que provedores devem ser notificados sobre a necessidade de regularização de suas ocupações quando constatado descumprimento de normas técnicas e regulamentares ou quando forem classificadas como à revelia (que não possuem projeto técnico aprovado e pertençam a empresas que têm contrato com a distribuidora). Não se sabe se isso ocorreu.

PPPs respondem pela maior parte do cabeamento irregular no país, mas, certamente, numa proporção inferior à sua presença no mercado: mais de 90% dos provedores de Internet têm menos de 5 mil acessos. Se não fosse assim, o emaranhado de fios não existiria em áreas nobres e centrais das maiores metrópoles, onde, quase sem exceções, as redes pertencem às grandes operadoras.

Diferentemente do que ocorre com as teles, ISPs – exceto os que possuem a partir de centenas de milhares de clientes – não têm acesso à grande mídia e, por isso, são responsabilizados, sem defesa, pelo que há de errado no setor.

Durante as discussões do PGM e do RGC, por exemplo, grandes operadoras tentaram derrubar diversos pontos da assimetria regulatória que, ao favorecer provedores de menor porte, comprometeria, segundo elas, a justa competição. Já o presidente da Claro, José Félix, declarou à época que a “liberação total do setor” – como se referia à destinação de regras mais flexíveis a empresas de menor porte –, gerava a desorganização de fios em postes. No entanto, ao menos no que se refere ao acesso a essas infraestruturas, os ISPs dispõem de condições de mercado bem mais desfavoráveis que as das teles.

Para PPPs, o corte de cabeamento é apenas um dos muitos problemas. Há casos em que, por falta de atualização do cadastro de redes pelas concessionárias, não conseguem identificar pontos disponíveis para a fixação de redes. Noutros, os detentores levam anos para avaliar seus planos de ocupação.

Casos assim, ocorridos em Minas Gerais e Bahia, não aconteceriam se fossem cumpridas as determinações do artigo 9º da Resolução Conjunta nº 4 – “As distribuidoras de energia elétrica devem manter cadastro atualizado da ocupação dos Pontos de Fixação nos postes” – e do parágrafo 1º do artigo 11 da Resolução Conjunta (Aneel, Anatel e ANP) nº 1, de 1999 – “A solicitação deve ser respondida, por escrito, num prazo de até noventa dias”.

Outro obstáculo é o valor cobrado por ponto em postes. O preço referência estabelecido pela Resolução nº 4 (artigo 1º) é de R$ 3,19. A norma, de 2014, porém, não prevê correção monetária, o que deixa o tema em aberto. Por exemplo, em liminar recente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) definiu que a Neoenergia deve se balizar nos R$ 5,23.

Conforme a ASPRO, autora da ação, a concessionaria estaria cobrando cerca de R$ 16,00. Já em denúncia feita ao Cade contra a distribuidora em agosto, a Anatel relatava que 28 ISPs pagariam, em Brasília, de R$ 14,00 a R$ 16,00, sendo que outros dois ainda mais. Para a maior parte dos provedores, o preço iria de R$ 12,00 e R$ 14,00 e, para três grandes operadoras, ficaria abaixo de R$ 10,00.

Ainda que os regulamentos existentes não possibilitem uma definição assertiva do valor de referência para o ponto em postes, a LGT estabelece, em seu artigo 73, que o acesso a essas infraestruturas deve ocorrer “de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”.

No caso descrito pela Anatel, provedores de menor porte parecem ser vítimas de discriminação e não terem acesso a preços justos. Isso não ocorre só na capital do país. Em 2023, o Sindicato das Empresas de Internet do Estado da Bahia (Seinesba) denunciava que a Neonergia cobrava quase R$ 14,00 de ISPs e menos R$ 1,00 da Oi – que vivia situação bem diferente da atual. Já na Paraíba, três meses atrás, o procurador da República João Raphael, em audiência no MPF em que se tratava sobre o uso desordenado de postes na capital, afirmou que a falta de uma tarifa única pela concessionária Energisa leva provedores a atuarem de forma irregular.

Qualquer atividade humana que não for condicionada pela observação de um código de ética ou de conduta, leis e regulamentos resultará em abusos. Sem cobranças nesse sentido, provedores de todos os tamanhos praticaram inúmeras irregularidades ao longo de anos ao ocuparem postes, até que o problema tomou as dimensões atuais.

A ênfase dada à supostamente injustificável demora da Aneel quanto à nova norma para regulamentar o compartilhamento de infraestruturas leva a crer que esta é a única forma de resolver a bagunça da fiação aérea. Como visto aqui, o cumprimento das regras existentes bastaria para resolver, ao menos, boa parte do problema. Por mais solícitas que as elétricas se mostrem quando chamadas pelos municípios, não são eles que regulam suas atividades e não poderiam ser os únicos a fazer tais cobranças.

(*) Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet.

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