Por que muitos projetos de ERP falham?

Poucos projetos mobilizam tantos recursos, envolvem tantas áreas e geram tanta expectativa quanto a implementação de um ERP. Ele é vendido como o “coração” da empresa, a “espinha dorsal do negócio”, a promessa de integração total entre processos, dados e decisões. Mas, quando falha (e muitos falham) o estrago não é apenas técnico. É estratégico. É financeiro. È decepcionante.

Processos ficam paralisados. Equipes perdem a confiança umas nas outras. O retrabalho vira rotina. E, o mais grave: os responsáveis pelo projeto passam a evitar o tema, como se falar sobre o fracasso fosse pior do que conviver com ele.

O ERP era para ser a espinha dorsal do negócio. Mas virou um pesadelo silencioso que ninguém quer assumir. E por que isso acontece? Porque por trás da falha técnica, quase sempre há um erro anterior: a forma como esse ERP foi contratado.

Quando se fala em ERP, muitas organizações ainda acreditam no mito da escolha perfeita: “Se contratarmos o sistema mais conhecido, com a consultoria mais premiada, o projeto será um sucesso.”

Essa crença tem apelo. Afinal, grandes marcas oferecem segurança, e fornecedores reconhecidos parecem trazer garantia de entrega. Mas a realidade mostra outra coisa.

O fracasso raramente está no nome do ERP.

Está em como ele foi contratado, planejado e negociado.

É comum encontrar projetos mal dimensionados desde o início, conduzidos com base em premissas frágeis e decisões apressadas. O que era para ser transformação, começa torto e termina em frustração.

As falhas mais frequentes, dentro da minha experiência, estão nos bastidores da contratação:

▪️ Escopo mal definido: o que exatamente será implantado? Com quais módulos? Em quais áreas? Tudo parece “entendido”, mas pouco está documentado com precisão.

▪️ Expectativas desalinhadas: o cliente acredita que terá uma solução customizada para seu negócio. O fornecedor entrega um modelo padrão e chama isso de “melhores práticas”.

▪️ Métricas e SLAs ausentes: ninguém sabe exatamente o que é “sucesso”, nem como medir a qualidade da entrega, nem o tempo de resposta a incidentes.

▪️ Contrato genérico, copiado de outro projeto: o documento legal não reflete o cenário específico daquela empresa. Apenas repete cláusulas de outros projetos, com termos vagos e pouca aderência ao risco real.

▪️ Falta de envolvimento real das áreas de negócio: a TI puxa o projeto, mas os usuários finais assistem de longe. E quando chega a hora de usar o sistema, sentem que não participaram de nada.

A ilusão de que escolher o “ERP certo” é suficiente e é uma decisão técnica ignora o essencial: um projeto de ERP é, acima de tudo, um exercício de governança. E governança começa antes da assinatura, na forma como se decide, se planeja e se estrutura a contratação.

Tudo sempre começa com entusiasmo. Workshops animados, apresentações inspiradoras, promessas de dashboards em tempo real, processos otimizados e relatórios inteligentes. Na teoria, o ERP resolveria gargalos históricos da empresa, da área fiscal ao estoque, do financeiro ao atendimento. Mas entre a promessa e a entrega, há uma travessia complexa. E é nela que muitos projetos escorregam.

Os tropeços não são meramente pontuais, são ESTRUTURAIS:

Governança fraca

Sem uma estrutura clara de papéis, responsabilidades e tomada de decisão, o projeto vira um campo de disputa. TI, negócio, fornecedor e consultoria trabalham de forma paralela e não integrada. O que era para ser sinérgico se fragmenta.

Contratação apressada

A pressão por resultados rápidos leva a decisões baseadas em preço e prazos curtos, e não em alinhamento de expectativas. Alguns contratos são fechados antes mesmo de se entender direito o que será implementado. Ninguém fez análise de riscos com opções mitigatórias.

Relacionamento artificial com o fornecedor

A comunicação vira protocolo. Fala-se muito em “parceria”, mas na prática, o fornecedor presta um serviço limitado ao escopo formal, e o cliente se frustra por esperar algo mais estratégico. O diálogo verdadeiro sobre riscos, limites e responsabilidades nunca aconteceu. Aliás, ninguém tinha interesse em discutir potenciais fracassos, antes de contratar e é por isso que falham depois, pois não houve preparação para os desafios da execução.

Contrato que não reflete o combinado

Muitos contratos não trazem o que foi prometido nas reuniões, no whatsapp, nos e-mails ou na proposta comercial. Ficam sem critérios de aceite, sem definição clara de fases, sem previsão de penalidades, sem segurança contratual para o cliente.

Licenciamento mal compreendido

Essa é uma armadilha comum: o cliente entende uma coisa, o contrato prevê outra. Termos como “usuário nomeado”, “acesso indireto”, “faturamento líquido” “EBITDA“, “EBIT”, core license” ou “consumo adicional” são mal interpretados até que a conta chega com valores maiores do que o esperado.

Foco na entrega técnica, e não no valor de negócio

Implantar o sistema se torna um fim em si mesmo. Mas ninguém pergunta: “estamos realmente melhorando a operação?” O projeto vira um conjunto de tarefas concluídas, sem clareza sobre os ganhos reais para a empresa.

No fim, o sonho da transformação digital vira um projeto cansativo, prolongado e sem brilho. A frustração se instala. E ninguém sabe exatamente onde foi que tudo começou a dar errado.

E o contrato não garante um projeto mal sucedido?

Deveria, mas em muitos projetos de ERP, o contrato é tratado como uma formalidade. É analisado de forma isolada, normalmente, pelo jurídico, sozinho. Algo que precisa existir para “cumprir protocolo jurídico”. Um documento que é assinado com pressa, depois de longas negociações comerciais e técnicas quando todos já estão cansados e ansiosos para começar.

Mas é justamente aí que mora o erro ou o perigo.

O contrato deveria ser o momento de maior clareza, alinhamento e segurança. Deveria ser o espelho fiel da negociação: aquilo que foi prometido, o que será entregue, como será medido, o que custa mais, o que está incluso e o que acontece se algo der errado. Na prática, porém, o contrato vira um espelho embaçado ou pior: deformado.

Por que isso acontece?

▪️ Porque o contrato é muitas vezes redigido pelo fornecedor com base em modelos padrão, pouco aderentes à realidade do projeto.

▪️ Porque o cliente, na ânsia de fechar o projeto, deixa de revisar ponto a ponto as cláusulas críticas e apressa o jurídico ou nem lhe dá voz. O cliente, geralmente, não faz nem uma análise de riscos previamente.

▪️ Porque o jurídico da empresa entra apenas no fim, sem entender o contexto da negociação e presume que “o comercial ou a TI já trataram tudo”.

▪️ Porque promessas feitas em reuniões, e-mails ou apresentações não são formalizadas. E o que não está no papel… não vale.

Cláusulas ambíguas, ausência de métricas de desempenho, cronograma irreais, ausência de experiência do fornecedor na vertical do cliente, falta de critérios de aceite, prazos mal definidos, direitos de uso mal explicados, tudo isso se transforma em conflito, desconfiança e, muitas vezes, em processos judiciais.

Quem é o culpado ?

Projetos de ERP não falham de um dia para o outro. Eles escorregam aos poucos, por detalhes não discutidos, por decisões não formalizadas, por riscos ignorados. Pela impaciência.

O colapso não costuma vir com alarde. Ele se instala lentamente, até que a organização perceba que está operando com retrabalho, desconfiança e orçamentos estourados.

Quando um projeto de ERP fracassa, é comum buscar um culpado rápido: “O fornecedor não entregou.”, “O sistema é engessado.” ou “O escopo não foi respeitado.”

Mas, na maioria das vezes, o fracasso é coletivo.

Ele nasce de expectativas mal geridas, decisões apressadas, promessas não documentadas e contratos mal estruturados. Nasce da desconexão entre as áreas envolvidas e da ilusão de que tecnologia, sozinha, resolveria tudo.

Um ERP bem escolhido é só o começo. Para que ele funcione de verdade, é preciso:

✔️ Planejamento realista,

✔️ Governança ativa,

✔️ Contratação estruturada,

✔️ Relacionamento transparente com o fornecedor,

✔️ Responsabilização de áreas internas ( Negócios, TI, Suprimentos, Jurídico, Diretoria, etc),

✔️ E coragem para tratar o contrato como parte essencial do sucesso e não como um apêndice jurídico.

Sim, o ERP certo pode transformar um negócio. Mas, para isso, a empresa precisa contratar com clareza, implementar com disciplina e manter o foco no valor de negócio não apenas na entrega técnica. Porque, no fim das contas, o que destrói projetos de ERP não é a tecnologia é a falta de maturidade na forma de lidar com ela.

Bons Negócios a Todos !

O tempo de mudar está passando…

*Por Roges Bronzatti, advogado especialista em tecnologia.

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